Elas dizem adeus
Um blog dedicado às mulheres corajosas. Imagens descaradamente emprestadas do Google.
sexta-feira, 26 de julho de 2013
E aí você descobre que ele vai casar
Não foi a sua história de amor. Não aconteceu nada. Só existiam brincadeiras, ironias, amigos comentando. Houve aquela que disse "ei, só você não vê que ele é maluco por você". Mas ele, ele mesmo, nunca disse nada.
Você até desconfiava, mas havia alguma coisa impedindo a comprovação de fato. Você virou amiga da ex-namorada dele. Você tinha namorado na época. Depois não tinha, depois tinha de novo. Ele tinha um cargo importante e você não queria que as pessoas pensassem sobre. Você tinha coisas demais para colocar na frente e sabia que não iria se livrar de nenhuma delas.
Ele? Talvez tivesse um medo, uma dúvida, uma garota qualquer pra se ocupar.
E era do tipo que se apega a uma namorada. Gostava de jantar com amigos, viajar, fazer programas excêntricos. E caros. Você não queria se dar ao trabalho de entrar num mundo diferente do seu. Justo você que se orgulhava de ser desapegada de bens materiais - ele tinha muitos bens. Cada vez mais. E você vendo isso como um defeito, na maioria das vezes como um mau agouro, você que odiava preconceitos estava relacionando dinheiro a problemas de personalidade.
E então numa conversa rápida alguém te diz: ele se mudou pra outro estado. E você descobre que ele vai se casar.
Olha pras fotos do casal. Não consegue sentir nada além de um desejo que dê certo. Mas tem um pedacinho desse desejo que te faz lembrar que aquele rosto já teve uma importância pra você. E que aquele sorriso, tão afetuoso, poderia ser pra você, que poderia também ser a personagem de tantas fotos. Continua achando que não se encaixaria nessa vida tão bem quanto a moça bonita, mas é inevitável o pensamento "será mesmo?".
Poderia ser, poderiam ser muitas coisas. Você disse não à maioria delas, em especial na sua cabeça. E quando diz não na sua cabeça, corta todos os atalhos que poderiam resultar num caminho diferente do que já projetou pra si mesma.
E aí você descobre que ele vai casar e só consegue pensar que... ele vai casar. Não é o coração que te faz isso. É o cérebro: ele vai se casar e todas as coisas que um dia você poderia ter feito e não fez resultaram nisso, na vida que ele criou baseada nesse relacionamento que vai virar um casamento.
Sim, você tem a sensação de ser uma super mulher que tem o poder de mudar tudo com a simples ideia de dizer "sim" à uma hipótese. Não tem, racionaliza. Não amava, conclui. Não faria, tem certeza. A garota lá fez. Encarou, topou, saiu, sorriu, tirou fotos, não pensou muito.
Sim, você já gosta dela por isso. E se pega torcendo, de verdade, pelos dois. Porque quem enfrenta os próprios medos merece sempre ser feliz.
sexta-feira, 12 de abril de 2013
Sobre personagens e desejos femininos
CONTARDO CALLIGARIS
Mulheres infelizes
Audrey Tautou no papel de Thérèse D. no filme que leva o mesmo nome
François Mauriac publicou "Thérèse Desqueyroux" (Cosac Naify) em 1927; o
romance foi um sucesso e, provavelmente, valeu ao seu autor o prêmio
Nobel.CONTARDO CALLIGARIS
Mulheres infelizes
A história é levada para o cinema (pela segunda vez) por Claude Miller, com o título, no Brasil, de "Therese D." (para que ninguém se atrapalhe com a pronúncia).
vez) por Joe Wright, com o título original.
Gustave Flaubert publicou "Madame Bovary" (Penguin Companhia e outras editoras) em 1857. O romance foi levado oito vezes para o cinema.
No Rio e em São Paulo, ainda é possível assistir a "Anna Karenina", de Joe Wright, e a "Therese D.", de Claude Miller, no mesmo cinema.
Depois disso, recomendo se enfiar na cama com uma cópia de "Madame Bovary" e ler até o amanhecer. Ou, então, na mesma cama, assistir a um DVD de "Madame Bovary" na versão de Vincente Minnelli (1949 --inesquecível Jennifer Jones perdida em devaneios) ou na de Claude Chabrol (1991).
Receio que a versão de Jean Renoir, de 1933, tenha envelhecido, mas que cada um escolha.
É sábio juntar as três histórias? Em termos; se você for um homem casado, prudência: afinal, trata-se de três mulheres infelizes com o marido, que é provedor, fiel, gentil e insosso.
Para mim, a modernidade poderia (ou deveria) começar, exemplarmente, com essas três histórias de insatisfação feminina, ou seja, com a descoberta de que as mulheres têm sonhos e devaneios que vão além de um marido devoto, de uma família e de uma vida ao abrigo da necessidade --em outras palavras, com a descoberta de que existe um desejo feminino.
Claro, talvez alguns homens prefiram pensar que o desejo feminino seja apenas uma necessidade do capitalismo moderno. As mulheres insatisfeitas seriam as consumidoras deslumbradas, perdidas pelos grandes magazines, das quais a sociedade de consumo precisa. É o que deixa esperar "O Paraíso das Damas", de Emile Zola, de 1882-83, (Estação Liberdade).
Mas o desejo feminino é mais do que isso, e sua aparição implica uma séria crise masculina. No fundo, trata-se de uma descoberta só: as mulheres têm desejos, e os homens não fazem suas companheiras tão felizes quanto eles imaginam ter feito a felicidade de suas mães (repito: IMAGINAM).
Não é por acaso, aliás, que, nos três romances, a maternidade não faz a felicidade das mães. A descoberta do desejo feminino acompanha a descoberta da inadequação e da insuficiência dos homens, como maridos e também como filhos.
Para Anna Karenina e para Emma Bovary, outros homens do que seus maridos se tornam desejáveis. Mas são todos medíocres (Vronsky como Rodolphe, como Léon).
Tanto Anna quanto Emma são julgadas por seus narradores. As duas acabam mal, e talvez essa punição final de mulheres e mães "indignas" tornasse os romances aceitáveis (embora os dois tenham escandalizado seus contemporâneos).
Thérèse é mais moderna. À diferença de Emma, ela é uma verdadeira leitora, não uma vítima de romances melados; por isso mesmo, ela não conhece a raiz de sua insatisfação com a vida que lhe cabe.
Como a gente, Thérèse não sabe o que quer. E ela não sonha propriamente com outro homem: ela é mais profundamente infiel e traidora do marido, pois ela sonha com algo maior do que um amante, ela quer algo que ela não saberia dizer sem citar "Os Frutos da Terra", de Gide, ela quer uma outra intensidade da vida.
SPOILER: pule este breve parágrafo se você não conhece a história. No fim do romance (e do filme), Thérèse não será punida pela infidelidade de seu desejo, ao contrário, ela parece se transformar na nova mulher do século 20, livre e urbana.
Mauriac era cristão e tradicionalista. Em 1935, ele não se aguentou e escreveu a continuação de "Thérèse Desqueyroux", "La Fin de la Nuit" (o fim da noite), em que Thérèse acaba pior do que suas antecessoras, Emma e Anna.
O jovem Sartre defendeu Thérèse, acusando Mauriac de julgar, perseguir e condenar a própria personagem que ele tinha criado, ou seja, de não respeitar a liberdade de Thérèse Desqueyroux, sua adorável criatura. Concordo com Sartre.
Fato curioso, tanto "Anna Karenina" quanto "Therese D." foram maltratados por críticos que respeito. Os dois filmes têm méritos diferentes ("Anna Karenina", em particular, é genial no conceito e na arte), mas talvez eles tenham mesmo um "defeito" comum: contam histórias que não acalentam os ouvidos masculinos.
domingo, 18 de novembro de 2012
E ele valeu cada lágrima *
Cena do filme "O casamento do meu melhor amigo"
* Texto de autoria de uma amiga.
Em homenagem ao grande cara dessa
história, real, escrevo esse texto totalmente sóbria. Sim, convenhamos, é muito
mais fácil dizer o que sente sob o efeito do álcool. Pra aquelas - algumas ou
muitas, não sei - que escrevem sobre, é quase que necessário.
Bem, o homem desse texto é um
Homem. Sim, sim, foi uma despedida honrada. Estamos falando de meu colega de
universidade, aquele que eu achava legalzinho, mas que quase nunca conversava
porque ele era quieto, tinha namorada, trabalhava muito, por isso chegava
atrasado. E tinha um fusca. É, acho que só me lembrava dele por ter um fusca
que chamava nossa atenção. E ele adorava o carro. Depois, recordo de um e-mail
em que convida pra uma despedida, estava partindo pra Londres. Não fui à festa,
já não sabia mais do colega.
Enfim, como o mundo gira e eu o
acompanho, um certo dia decido ir embora do Paraná. É, encheu. Meu emprego não
me dava prazer algum, vivia sérias crises com minha família, o cara que demorou
tanto tempo pra fazer com que eu gostasse dele enfim conseguiu, e com tal êxito
que, após me conquistar, chutou minha latinha. E lá estava eu, devastada, sem
vontade.
Como sou feita de prazos e essa
vida que levava já estava fazendo hora extra, mudei. Mas mudei mesmo. Vim pra
Europa. É, estudar, trabalhar, saí de lá. E deu certo. E eu até que estava
feliz. Mas, como esperado, esse ciclo também estava passando e chegando ao seu
limite. Coisas ruins acontecendo, pessoas precisando realmente de mim no
Brasil, a crise me expulsando do velho continente. E era hora de voltar. Porém,
passagem marcada é lei pra pobre. Sem chance de antecipar, lá iria 100, talvez
200 e tantos euros. Ok, no way. O que
fazer? Bem, tenho uma pessoa que ficou de me visitar e tal, o amigo da
universidade. É, o amigo calado, que agora era solteiro, que me deu várias
dicas pra morar no exterior. Ele. Mas... vem mesmo? A gente mal se fala. Bem,
ele diz que vem. Estará fazendo um tour
pela Europa e passa um tempo aqui comigo, acho que sete dias. Tudo bem. Pode
ser legal.
E esse cara chegou. Ele não era
legal, ele era... fantástico. Não, ele não ficou lindo, nem extremamente
charmoso, nem nada. Ele estava igual. Só que solteiro, visitando-me, na Europa.
Foram alguns dos meus melhores dias aqui. Ele foi gentil, educado, simpático,
brincalhão, culto, amoroso, ouvinte, calmo. Nada de sexo. Nada de beijos, nem
juras de amor. Não aconteceu nada.
Uau, por que então da despedida,
desse texto estar aqui? Bem, como disse desde o começo, o cara merece. Antes da
aparição dele, até aqui, no alto dos meus 28 anos, não sabia o que era sorrir
com o coração, por e com uma pessoa que faz tanto por você, que chega a fazer
por ela. Deve ser a retribuição de energias, não sei que nome dar a isso. Nem
ele sabe.
Quase estranhos, começamos a
conviver. Ele trabalhava duas horas por dia, pela internet, tempo em que eu
ajeitava a casa, fazia qualquer outra coisa. Começamos com as visitas. Levava-o
nos lugares que me foram apresentados, já habituais. Mas eles nunca mais seriam
os mesmos. Sabe o que é tudo fazer e ter outro sentido? Como ele conseguiu?
Sendo gentil, sincero, mas principalmente sendo ele mesmo. Com os dias, fomos
nos tornando não só bons amigos e confidentes, mas companheiros. Fomos nos
conhecendo de alma, de jeitos, manias, histórias tristes, trágicas, cômicas, de
vida.
Passamos a conhecer e a explorar
um o mundo do outro. Como ele passou por isso tudo? Como nunca nos falamos
tanto e com essa intensidade antes? Onde você estava até agora? Pior. Por que
você me faz tão bem? E as coisas foram ficando mais e mais claras. Brincadeiras
estúpidas no trem, a felicidade de um pseudo casal que causava inveja nos
demais. Frases, como: “viu aquele senhor nos olhando? Fiz questão de continuar
falando alto, queria que vissem mesmo nossa felicidade” ou “não parece que vou
embora amanhã, tenho a impressão de que fico aqui”.
Eu já sentia saudades. O sexto
dia já anunciava meu sofrimento. Afinal, quem ia ler pra mim na praia? Quem ia
fazer café e arrumar a mesa exatamente como eu fazia? Arrumar minha cama? Fazer
a barba de porta aberta, enquanto aviso que vamos sair tarde de novo? E o nosso
sorvete? As apostas? Os golpes de defesa pessoal, que ele fazia questão de me
ensinar? Mais que isso. A confiança que conquistei, os beijos no braço, o afago
na cabeça, o sorriso com os olhos… a música dele, que por me conhecer, agora,
achava que ia gostar e que, por isso, limpava e levava seus fones para que
pudesse ouvir, durante o tempo em que ficávamos no metrô. A camiseta que eu
escolhi e ele comprou? O chá que aliviava por termos comido besteira, de comum
acordo, durante o dia? As constatações no mesmo momento de que alguém pensou
algo mal da gente, que cobraram mais caro no restaurante por birra, que íamos
sentir falta um do outro. Isso já me matava. Como poderia ter encontrado uma
pessoa assim? Um cara que me colocava nas nuvens sem nenhum esforço? Será que
eu não vivi nada nessa vida? Sou impressionável? Não… justamente por ele não
querer me impressionar, eu ficava atordoada.
No fim de uma das tardes, vendo
ele contra o sol, ali tão disponível, chamando-me pra ver qualquer coisa no
meio de umas pedras, eu pensava: ele poderia um dia fazer parte da minha vida?
Assim, efetivamente? Daria certo? Não. Ele não estava nem disponível, ao menos
não pra mim. E nem isso fez com que meu coração parece de ficar leve com a
presença dele. Eu não sofri, eu, ainda assim, agradeci por tê-lo ao meu lado ou
por tê-lo durante esses dias.
Fomos ao aeroporto, demos um
longo abraço e eu chorei. Chorei muito, Chorei durante dias. A falta dele em
cada canto da casa, longe dos meus olhos, das escadas que subíamos. Era
incrível como estava sofrendo. Cheguei a fazer coisas de gente desesperada: não
movi um copo dele, com água, do lugar em que deixou.
Tudo melhorou, claro. Fui me
ocupando com outras coisas, mas o buraco ficou. Eu sentia saudades dele todos
os dias. Escrevi, mandei um mail, falando tudo, ou quase tudo, que ele tinha me
causado, todo o bem que me fez. Como não seria diferente, ele mostrou-se
lisonjeado, agradeceu da forma não mais carinhosa, mas da forma mais bonita que
ele sabia. E o que eu sentia. E agora?
Uma coisa eu omiti. Já que
falamos de coisas que não têm muita explicação, mais uma amostra. Quando o
deixei no aeroporto, fui até a minha universidade. Sim, chorando muito, lagos,
mas eu achava pior ir pra casa. Meio perdida, saí pelo lado errado do metrô.
Estava ouvindo música no meu MP3 e, nesse momento, na saída equivocada,
deparo-me com o seu avião, levantando voo. Ao mesmo tempo, um refrão alto nos
meus ouvidos, gritado: LEAVE. Foi aí
que solucei: pôxa, precisava desse fim apoteótico? Pra quê?! Cristo, meu
coração parecia que ia explodir. O recado foi dado. Mas, depois,
contraditoriamente eu pensava: eu sou tão mais forte! Deixei, queria mesmo
sentir aquilo, precisava deixá-lo ir, em todos os sentidos.
Foram dias extraordinários, mas
ele não me quis, não na minha totalidade. E eu tinha de respeitar ou insistir
na esperança. Não, não preciso disso. Hoje, quase dois meses da partida dele,
ainda sorrio sozinha com a passagem de qualquer coisa que me atravesse a lembrança,
assim, correndinho.
Há dias em que acordo pensando
nele: no que está fazendo, se está ou não feliz. Falamos às vezes e ele ainda
me arranca sorrisos. E alguns suspiros. Mas, sabe, ele está lá, num lugar
tranquilo, guardado no meu coração, intocável, meio que puro, e eu quero que
ele permaneça lá, pra sempre.
Quero que conte comigo, que,
alguma vez ou outra, possa sorrir lembrando de qualquer coisa que fizemos
juntos. Gostaria de um dia ter a sorte de arrancar qualquer pensamento dele, do
tipo: E se? Mas não conto com isso. Vai, querido, vai ser feliz. E obrigada por
ter me dado a chance de saber que posso ser feliz com alguém, de verdade,
tanto, ou mais, quanto fui com você.
sexta-feira, 11 de maio de 2012
A garota que nunca mais vai usar salto alto
Ela tem quase trinta e as vezes em que teve de se equilibrar
em paralelepípedos ou escadas sobre varetas de cinco a quinze centímetros
arrancaram-lhe o pouco ânimo que tinha para aceitar o que a fazia sofrer em
nome de uma imagem supervalorizada.
Sempre soube que o mundo respeita mais as garotas que se
impingem esse tipo de sofrimento: belos pares de sapatos em pés com tendões
contidos que, com sorte, criarão alguma aparência de superioridade. Para
produzir uma imagem de alguém que nada teme, que com nada se importa: as crises
na Europa, a fome na esquina, o atraso do ônibus, a alta do preço das batatas
Pringles, as metas inatingíveis da empresa, a invasão de frases falsas da
Clarice Lispector no Facebook. Porque elas não precisam se importar, já que
tudo reforça a elegância e sofisticação de uma mulher de salto. Lady Di era
capaz de se abaixar para beijar uma criança maneta vítima da radiação do alto
de seus 16 centímetros com brilhantes. Angelina Jolie anda em tapetes
vermelhos, ao lado de um lindo Brad Pitt, com salto agulha e trinta e duas
crianças asiáticas recém-adotadas, virando um exemplo de vida feminina no mundo
contemporâneo. A sua chefe chega às sete e meia da manhã, com seu bom humor de
boutique, ressoando toc toc toc pelo escritório inteiro e, oras, todos a
respeitam ou fingem muito bem que. Danuza Leão certa vez disse que na hora de
terminar um relacionamento uma mulher não deve nunca aparecer com um simples
tênis, pois, segundo ela, o salto alto confere mais confiança, fazendo da
vulnerável mocinha uma criatura muito mais elegante e admirada pelo futuro
ex-parceiro, e, quiçá, pelo universo.
Olha a incoerência aí. Dignas de admiração, meus caros, não
são as que acumulam joanete em nome de uma pretensa sofisticação e um sofrido
respeito às aparências. São as que, apesar do último grito da moda ser o sapato
de bico fino e salto quadrado do tipo arranha-céu, ousam viver a vida com a
planta dos pés totalmente no chão, o que colabora para que tenham também as
ideias no lugar certo. Ah, as moças das sapatilhas. Elas merecem o meu aplauso,
o seu, o da realeza mundial e da mídia, o respeito de todo um sistema que
conspira para fazer do sofrimento feminino (quanto maior, melhor) um índice de
beleza. Elas, as moças das sapatilhas, são capazes de entrar em uma sala cheia
de executivos engomadinhos sem fazer um mínimo toc toc e, mesmo com dez
centímetros a menos de altura, executar com toda qualidade (mais até, vai) o
trabalho das que precisam andar com os calcanhares sempre nas alturas.
Ah, as que são a favor da natureza, gosto bem mais delas. Já imaginou Eva, no Paraíso, andando com os calcanhares levantados? Ou dizendo “ei, Adão, me espera, meu salto está afundando nesse belo campo florido, podemos ir pra um lugar mais urbano, quem sabe um shopping?”? Não tem sentido nenhum.
A chance e o tamanho da queda, ah, meu bem, isso também
conta ponto contra. Basta pensar em uma passarela com lindas modelos em
constante risco. O que dizer da pressão psicológica que é temer um tombo
colossal, minuto a minuto? E o pânico de ver seus segundos de hesitação e drama
virarem hit no Youtube? Porque a humilhação de cair em público ou mesmo a dor
de torcer o pé são infinitamente menores quando você está no chão, entre meros
mortais, do que quando está lá em cima e precisa se preocupar em manter a pose.
Mais ainda: como lidar com a impossibilidade de sair correndo quando der
vontade ou, pior, quando for preciso?
Sou a favor de um mundo mais transparente: sapatos de
acrílico para que possamos enxergar o absurdo dos calcanhares levantados.
Milhares de mulheres mostrando veias saltadas e dedinhos sobrecarregados com o
peso da hipocrisia. Mentira, sou a favor de um mundo absolutamente sem saltos.
Um tempo e um lugar onde as alegrias serão maiores e mais satisfatórias do que
chegar em casa e desencaixotar os pés para coloca-los em uma bacia com água
morna. Sou a favor de felicidade em seu estado puro: mulheres respeitadas por
seu tamanho e valores reais. E do adeus aos tombos estratosféricos alimentando
o sadismo alheio no Youtube. Afinal, estamos rindo de quem, mesmo?
segunda-feira, 7 de maio de 2012
O homem em cima do muro
Foto: imagem da pintura “Man lying on the wall”, do artista inglês L.S.Lowry.
Você conhece o homem em cima do muro? Não? Pense bem. Eles
existem aos montes por aí. Deve ter um no seu trabalho, outro no seu prédio e
muitos mais pelas ruas da cidade. Sabe o tipo que não se manifesta, que não dá
um fora, mas também não é receptivo a nenhuma de suas investidas? É o cara que
você nunca tem certeza se entendeu suas indiretas, se entendeu e está se
fazendo de bobo por timidez ou se simplesmente não tem interesse algum. Porque,
afinal, ele nunca se expressa.
Eu estava em um táxi, no Centro de Curitiba. O celular do
motorista toca.
- Oi. Não, ih, eu tô looonge do Centro. Tô... no
Pinheirinho. Não, não vou passar perto da sua casa. Tenho que desligar, tchau.
Um pouco envergonhado, ele se justifica pra mim, dizendo que
é uma mulher que telefona todos os dias.
- Ah, a pessoa não se
toca. Eu não gosto de mentir, mas às vezes tem, né. A pessoa não se toca, fica
me ligando, ligando. Um dia me ligou até quando eu tava em casa, não tem noção.
- Mas porque o senhor não diz de uma vez que não quer nada
com ela?
- Porque ela tem que se ligar, né? Eu não vou dizer pra ela
“escuta, minha filha, eu não quero nada”. Veja bem, se você liga pra pessoa e
ela não te atende uma vez, duas vezes, você tem que perceber que ela não quer
falar com você.
- Eu acho que o senhor deveria falar com todas as letras,
senão vai ficar parecendo que quer que ela continue ligando. Tem de se
posicionar, dizer que não e pronto.
- Ah, menina, não é assim não, homem não faz isso. Eu não
falo é nada, ela tem que se tocar, ué.
- Hum.
Claro, talvez seja só um caso de uma obcecada que realmente
não percebe o quanto está incomodando o homem. Pode ser que ela ligue 20 vezes
por dia cobrando uma atenção que ele nunca teve a intenção de dar. Ou pode ser
que ele tenha dado essa atenção algum dia e depois mudou de ideia. Não saberei
nunca. Mas se ele não diz a que veio, não tem jeito, é um caso de homem em cima
do muro.
Em geral eles simplesmente não têm coragem de dizer o que pensam, o que sentem, e que, caramba, não estão a fim e nunca estarão. Então esperam as coisas se ajeitarem sozinhas. Pra quê tomar uma iniciativa tão desgastante como dizer um “não” sincero se podem apenas deixar o tempo passar?
Do ponto de vista masculino isso é totalmente aceitável. Homens preferem deixar pra lá ao invés de agir. Não todos, não sempre. Mas é uma atitude masculina, tipicamente.
Ao mesmo tempo, o mundo está cheio de mulheres que correm,
agem, tomam partido, defendem causas, se apaixonam e se entregam. E muitas
delas encontram um homem em cima do muro no meio do caminho. E se apaixonam.
“Uau, ele é tão misterioso”. Em geral é só um grande bundão, mas enxergar o
real não é o forte dos que amam. Dos que amam platonicamente, então... sem
chance, é desfiladeiro abaixo.
E quando você percebe o moço te olhando e te olhando e te olhando sem fazer absolutamente nada? Começa a desconfiar que ele seja tão míope a ponto de não enxergar nada e, na pior das hipóteses, estar mirando o infinito ao invés de te olhar fundo nos olhos, como, raios, ele sempre fez.
Então de repente, pronto, chega a hora de dizer adeus, ainda
que só na sua cabeça. Pode ser também mandando um e-mail bomba, uma mensagem do
tipo amigável ou fazendo uma simpatia brega que achou na internet pra deixar de
gostar do bolha. Porque um dia você se cansa de esperar. Esperar uma resposta
daquela mensagem que mandou pela internet. Ou que ele comece uma conversa
espontaneamente. Que te tire pra dançar. Que enxergue a moça especial que você,
caramba, é e sempre foi. Ou que diga a merda de um “não”, que te pegue pelo
braço e fale: “garota, você está viajando, eu sou gay”. Pronto, o mundo seria
tão mais fácil. Ou “Não, eu não quero nada com você, nunca quis e nunca vou
querer, sua insuportável”. Ok, assim o mundo não seria tão fácil, mas ao menos
as portas da percepção estariam abertas e você poderia comemorar sozinha: ufa,
derrubei mais um de cima do muro. Pena
que não quebrou a cara.
sexta-feira, 2 de março de 2012
“Um cara para segurar a sua mão” ou “e você, se importa?”
Cena do filme "Mozart & the Whale", em português chamado de "Louco de amor"
Existem motivos para dizermos adeus, ele nunca é gratuito. Sentir que não se pode contar com aquela pessoa é um deles.
Entenda: mulheres que dizem adeus são cheias de segurança. Elas sabem o que fazer e em que hora. São adultas e donas do próprio mundo e às vezes do mundo dos outros também. São independentes financeiramente, resolvem os problemas, planejam rotinas, distribuem regras, calculam o vencimento do cheque especial, fazem as compras do mercado, ajudam os amigos, dão conselho pra família, abraçam causas alheias. E fazem tudo isso na maior parte do tempo por intuição ou necessidade, porque é preciso fazer e porque ninguém faz melhor que elas. Ponto. Mas tem algumas horas que nos matam.
Essas horas são aquelas que, mesmo com toda essa força, precisamos de alguém pra segurar a nossa mão. E sim, que esse alguém seja um homem por quem tenhamos o mínimo de interesse, se é que me entende.
Ter uma pessoa especial pra abraçar em momentos difíceis é o básico do básico de qualquer relacionamento, seja ele de 20 anos ou de três semanas, cheio de juras de amor ou só de encontros casuais onde se resolve que estar junto é bom e pronto. O importante é sentir que aquela pessoa se importa e que o fim do dia pode trazer um abraço apertado.
Importar-se. Dizemos adeus para quem não se importa. Existem coisas bem significativas com as quais as pessoas saudáveis afetivamente se importam. Morte na família, doenças, perda de um emprego, enfim, problemas que não são resolvidos do dia pra noite, que não podem ser exorcizados com um happy hour entre amigos. Problemas que nós não necessariamente queremos sair espalhando por aí, afinal, vitimização é um mal do qual fugimos como o diabo da cruz, mas que podem ser amenizados com o mínimo de gentileza. Outros chamariam de inteligência emocional, mas vamos pegar leve. Ou não.
Mulheres podem ser atacadas por hormônios terroristas uma vez por mês, podem gritar aos quatro cantos coisas ininteligíveis, podem mudar de humor de acordo com a quantidade de chocolate disponível na despensa. Mas elas não dizem adeus à toa.
E você, é dos times dos que se importam?
sexta-feira, 16 de dezembro de 2011
Será que nunca?
Eu sou uma mulher que diz adeus. Vejo por aí filmes, livros e histórias de mulheres que se perguntam: por que ele foi embora? E elas conversam sobre quando será que vão encontrar um homem que não as deixe.
Um homem que mande mensagem pelo celular depois do encontro. Um homem que telefone, que convide, que chame para morar junto, casar, que queira ter um filho. Eu vejo mulheres discutindo sobre como o último namorado simplesmente não quis mais nada e elas não entendem por quê. Esses são os homens que dizem adeus. Mas essa categoria entre as mulheres é bem mais rara.
Mesmo em um mundo tão avançado é como se muitas delas ainda permanecessem passivas, esperando um sinal deles. E raramente decidindo por si só terminar alguma coisa, seja lá o que for. Vejo mulheres que se apegam a relacionamentos ruins e não conseguem colocar um ponto final. Vejo as que encontram um cara casualmente e esperam que ele seja o homem da vida delas. Vejo outras querendo entender o que falhou nos relacionamentos para que eles tivessem partido.
Há dez anos venho terminando todos os relacionamentos que tenho. Fui eu que tomei a iniciativa: não mais, baby. Em locais diferentes, com pessoas diferentes. E como eu há outras por aí que não hesitam em ir em frente sem olhar pra trás. Tudo bem, olhando vez ou outra para trás, mas sempre caminhando.
Há diversas teorias sobre por que as mulheres que dizem adeus não conseguem deixar de fazer isso. Talvez acabe se tornando uma compulsão, talvez o fato de que um dia aquilo vai acabar faça com que elas tomem a frente da situação e assumam os riscos de fazer o papel do destino. Necessidade de controle ao extremo, perfeccionismo, expectativas exageradas, mania de mulher complicada ou seja lá o que for.
Porém, invariavelmente as mulheres que dizem adeus se perguntam: será que ninguém nunca vai conseguir me prender a ponto de me fazer desistir de ir embora?
Nunca?
Será que um dia evoluímos de "mulheres que dizem adeus" para "mulheres que dizem 'sim, meu bem, eu fico'"?
Assinar:
Postagens (Atom)