sexta-feira, 26 de julho de 2013

E aí você descobre que ele vai casar



Não foi a sua história de amor. Não aconteceu nada. Só existiam brincadeiras, ironias, amigos comentando. Houve aquela que disse "ei, só você não vê que ele é maluco por você". Mas ele, ele mesmo, nunca disse nada.

Você até desconfiava, mas havia alguma coisa impedindo a comprovação de fato. Você virou amiga da ex-namorada dele. Você tinha namorado na época. Depois não tinha, depois tinha de novo. Ele tinha um cargo importante e você não queria que as pessoas pensassem sobre. Você tinha coisas demais para colocar na frente e sabia que não iria se livrar de nenhuma delas.

Ele? Talvez tivesse um medo, uma dúvida, uma garota qualquer pra se ocupar.

E era do tipo que se apega a uma namorada. Gostava de jantar com amigos, viajar, fazer programas excêntricos. E caros. Você não queria se dar ao trabalho de entrar num mundo diferente do seu. Justo você que se orgulhava de ser desapegada de bens materiais - ele tinha muitos bens. Cada vez mais. E você vendo isso como um defeito, na maioria das vezes como um mau agouro, você que odiava preconceitos estava relacionando dinheiro a problemas de personalidade.

E então numa conversa rápida alguém te diz: ele se mudou pra outro estado. E você descobre que ele vai se casar.

Olha pras fotos do casal. Não consegue sentir nada além de um desejo que dê certo. Mas tem um pedacinho desse desejo que te faz lembrar que aquele rosto já teve uma importância pra você. E que aquele sorriso, tão afetuoso, poderia ser pra você, que poderia também ser a personagem de tantas fotos. Continua achando que não se encaixaria nessa vida tão bem quanto a moça bonita, mas é inevitável o pensamento "será mesmo?".

Poderia ser, poderiam ser muitas coisas. Você disse não à maioria delas, em especial na sua cabeça. E quando diz não na sua cabeça, corta todos os atalhos que poderiam resultar num caminho diferente do que já projetou pra si mesma.

E aí você descobre que ele vai casar e só consegue pensar que... ele vai casar. Não é o coração que te faz isso. É o cérebro: ele vai se casar e todas as coisas que um dia você poderia ter feito e não fez resultaram nisso, na vida que ele criou baseada nesse relacionamento que vai virar um casamento.

Sim, você tem a sensação de ser uma super mulher que tem o poder de mudar tudo com a simples ideia de dizer "sim" à uma hipótese. Não tem, racionaliza. Não amava, conclui. Não faria, tem certeza. A garota lá fez. Encarou, topou, saiu, sorriu, tirou fotos, não pensou muito.

Sim, você já gosta dela por isso. E se pega torcendo, de verdade, pelos dois. Porque quem enfrenta os próprios medos merece sempre ser feliz.


sexta-feira, 12 de abril de 2013

Sobre personagens e desejos femininos

CONTARDO CALLIGARIS

Mulheres infelizes

Audrey Tautou no papel de Thérèse D. no filme que leva o mesmo nome

François Mauriac publicou "Thérèse Desqueyroux" (Cosac Naify) em 1927; o romance foi um sucesso e, provavelmente, valeu ao seu autor o prêmio Nobel.

A história é levada para o cinema (pela segunda vez) por Claude Miller, com o título, no Brasil, de "Therese D." (para que ninguém se atrapalhe com a pronúncia).
Tolstói publicou "Anna Karenina" (Itatiaia) entre 1873 e 77. O romance é levado para o cinema (pela sexta

vez) por Joe Wright, com o título original.
Gustave Flaubert publicou "Madame Bovary" (Penguin Companhia e outras editoras) em 1857. O romance foi levado oito vezes para o cinema.

No Rio e em São Paulo, ainda é possível assistir a "Anna Karenina", de Joe Wright, e a "Therese D.", de Claude Miller, no mesmo cinema.

Depois disso, recomendo se enfiar na cama com uma cópia de "Madame Bovary" e ler até o amanhecer. Ou, então, na mesma cama, assistir a um DVD de "Madame Bovary" na versão de Vincente Minnelli (1949 --inesquecível Jennifer Jones perdida em devaneios) ou na de Claude Chabrol (1991).

Receio que a versão de Jean Renoir, de 1933, tenha envelhecido, mas que cada um escolha.
É sábio juntar as três histórias? Em termos; se você for um homem casado, prudência: afinal, trata-se de três mulheres infelizes com o marido, que é provedor, fiel, gentil e insosso.

Para mim, a modernidade poderia (ou deveria) começar, exemplarmente, com essas três histórias de insatisfação feminina, ou seja, com a descoberta de que as mulheres têm sonhos e devaneios que vão além de um marido devoto, de uma família e de uma vida ao abrigo da necessidade --em outras palavras, com a descoberta de que existe um desejo feminino.

Claro, talvez alguns homens prefiram pensar que o desejo feminino seja apenas uma necessidade do capitalismo moderno. As mulheres insatisfeitas seriam as consumidoras deslumbradas, perdidas pelos grandes magazines, das quais a sociedade de consumo precisa. É o que deixa esperar "O Paraíso das Damas", de Emile Zola, de 1882-83, (Estação Liberdade).

Mas o desejo feminino é mais do que isso, e sua aparição implica uma séria crise masculina. No fundo, trata-se de uma descoberta só: as mulheres têm desejos, e os homens não fazem suas companheiras tão felizes quanto eles imaginam ter feito a felicidade de suas mães (repito: IMAGINAM).

Não é por acaso, aliás, que, nos três romances, a maternidade não faz a felicidade das mães. A descoberta do desejo feminino acompanha a descoberta da inadequação e da insuficiência dos homens, como maridos e também como filhos.

Para Anna Karenina e para Emma Bovary, outros homens do que seus maridos se tornam desejáveis. Mas são todos medíocres (Vronsky como Rodolphe, como Léon).

Tanto Anna quanto Emma são julgadas por seus narradores. As duas acabam mal, e talvez essa punição final de mulheres e mães "indignas" tornasse os romances aceitáveis (embora os dois tenham escandalizado seus contemporâneos).

Thérèse é mais moderna. À diferença de Emma, ela é uma verdadeira leitora, não uma vítima de romances melados; por isso mesmo, ela não conhece a raiz de sua insatisfação com a vida que lhe cabe.
Como a gente, Thérèse não sabe o que quer. E ela não sonha propriamente com outro homem: ela é mais profundamente infiel e traidora do marido, pois ela sonha com algo maior do que um amante, ela quer algo que ela não saberia dizer sem citar "Os Frutos da Terra", de Gide, ela quer uma outra intensidade da vida.

SPOILER: pule este breve parágrafo se você não conhece a história. No fim do romance (e do filme), Thérèse não será punida pela infidelidade de seu desejo, ao contrário, ela parece se transformar na nova mulher do século 20, livre e urbana.

Mauriac era cristão e tradicionalista. Em 1935, ele não se aguentou e escreveu a continuação de "Thérèse Desqueyroux", "La Fin de la Nuit" (o fim da noite), em que Thérèse acaba pior do que suas antecessoras, Emma e Anna.

O jovem Sartre defendeu Thérèse, acusando Mauriac de julgar, perseguir e condenar a própria personagem que ele tinha criado, ou seja, de não respeitar a liberdade de Thérèse Desqueyroux, sua adorável criatura. Concordo com Sartre.

Fato curioso, tanto "Anna Karenina" quanto "Therese D." foram maltratados por críticos que respeito. Os dois filmes têm méritos diferentes ("Anna Karenina", em particular, é genial no conceito e na arte), mas talvez eles tenham mesmo um "defeito" comum: contam histórias que não acalentam os ouvidos masculinos.